Volume, fábula, maciez e interpelação são constantes no trabalho de Ana Miguel. Formada em gravura, a artista desenvolveu um repositório vivo de objetos-poema que se chocam através da dialética interna dos materiais e das formas que guiam cada trabalho. Ora tecidos, ora alfinetes, seu trabalho conjuga o universo do ser, do sentir e do sonhar como uma infinita série de séries que se expandem por via de cada trabalho; como se todos fossem parte de uma única trama. Há algo de feminino e infantil na sua obra, mas ela certamente transborda esse limite para explorações mais íntimas e agressivas. A artista cria quimeras líricas que fundem os territórios das palavras e da literatura àqueles das materialidades marginais da arte; como o crochê. Existe um campo de probabilidades discrepantes que retira o observador de uma camada e o transporta para outras profundidades, assim como remetem as reflexões de Gaston Bachelard ao falar sobre a imensidão íntima como um estado de devaneio que o coloca “fora do mundo próximo” e diante de um espaço que o leva além. O além é parte da matéria que Ana Miguel explora, sejam elas segredos contados pro travesseiros ou labirintos de palavras.